sábado, 28 de maio de 2011

MINHA PÃE E MEU(S) PAI(S)


02. Alexandre

Meu irmão mais velho foi o primeiro a assumir um papel de figura paterna para nós, principalmente para mim, após a separação dos meus pais. Deixando de lado as picuinhas infantis e brigas comuns entre irmãos, ele procurava gerir nossas andanças, se responsabilizando por mim até praticamente eu me formar.

Veja bem, ele tinha 9 anos quando viemos pra Fortaleza. Lá em São Luis ele já guardava todos os seus trocados, que ganhávamos aguando o jardim da frente da casa, no bico de um sapato social dentro do armário da gente, um branquinho de duas portas cor de laranja. Desde pequeno se destacava pela sua organização financeira, uma espécie de economia pessoal e pão-durismo que se aplicava mais a ele mesmo do que a nós. Se precisássemos, ele estaria lá, disponibilizando todas as suas economias pra que realizássemos sonhos muitas vezes confusos.

Sendo justo, Alexandre sempre foi meio pai pra mim. O formato da família em que fui criado era muito diferente do que nossa geração como pais está formando, extremamente preocupada com uma relação íntima com seus filhos. Antigamente Pai era o provedor e nas relações com seus filhos não chegavam realmente a conhecê-los. Era mais como um direcionamento, regras e punições; o boletim do colégio, os presentes de aniversário e Natal, as saídas de fim-de-semana. As mães é que estavam lá. E no meu caso, eu tinha também meu irmão mais velho.

Ele era meu guia. Responsabilizava-se por mim. Sempre presente com sua personalidade pragmática, não nos furtávamos das pequenas brigas, das implicâncias (e pense como o caboco era implicante), com as disputas saudáveis por notas mais altas.

Os castigos eram mais severos que os atuais. Surras de cinturão ou chinelos de couro com solados de pneu, os irmão briguentos abraçadinhos de joelhos nos degraus das escadas etc. Alexandre era petulante; mamãe dava uma lapada e perguntava Quer mais? Ao que ele prontamente respondia Quero! com o choro travado nos dentes.

Lembro-me de uma vez que ficamos, eu e o Nani, apelido dele desde pequeno, de castigo em quartos separados no mesmo corredor. Sentamos na porta e começamos a jogar damas; eu jogava e empurrava o tabuleiro pra ele; ele jogava e empurrava o tabuleiro pra mim. Jogos sempre foram elos entre a gente. Numa das férias que tivemos em Fortaleza fomos visitar o Tio Peba na casinha que ele estava morando com a primeira mulher, grávida da Teté. A memória prega peças, mas eu acho que era num conjuntinho de casas cor-de-rosa pertinho da casa da Vovó Valderez na Praça da Igreja Matriz da Parangaba. Naquele dia o Tio Peba ensinava xadrez pro Alexandre na varanda enquanto eu pulava as janelas como todo bom menino de 5 ou 6 anos de idade. Mais tarde Alexandre me ensinaria o jogo que nos proporcionaria milhares de horas de diversão entre nós; as minhas cada vez menos raras vitórias enquanto crescíamos premiavam a paciência fantástica que o Alexandre tinha em jogar com alguém que no começo não gerava um real desafio.

Alexandre era extremamente dedicado aos estudos. De vez em quando jogava com a gente, mas eu não perdia uma pelada de rua, um vôlei no calçamento com a rede armada de um poste pro outro, saía com os garotos da rua, andava de bicicleta por aí. Não deixava de fazer o que era pra ser feito, tirava boas notas e tudo, mas o Alexandre era obstinado.

Teve um ano que ele foi morar com o Tio Roberto em Manaus. Eu fiquei desolado. A dupla estava separada. Minhas notas decaíram, minha mãe teve que sentar comigo pra estudar História pra prova de recuperação. Foi o pior ano da minha curta vida até então. No ano seguinte eu fui pra Manaus também, e aí ficou tudo bem.

Quando viemos morar em Fortaleza novamente, pingávamos da casa da Vovó Valderez para o apartamento na Aguanambi com a mamãe ou para a casa da Vovó Rosália na Parangaba. Morávamos algum tempo em cada lugar. Andávamos sozinhos de ônibus pra cima e pra baixo. Quando estávamos na casa da Vovó Valderez, íamos a pé pro colégio mais de vinte quarteirões de distância pra poupar os trocadinhos das passagens. Quando estávamos na Vovó Rosália íamos de ônibus mesmo e juntávamos aquelas fichas coloridas que recebíamos para a contagem de passagens e que serviam pro Vovô Jesus jogar pôquer com os filhos. Juntamos até mesmo depois de ele morrer. Eu fiquei com as fichas do vovô até que uma empregada bem-intencionada resolveu que elas mereciam ser lavadas com água fervendo.

Fazíamos sozinhos os pagamentos pra mamãe no centro da cidade. Com o troco sempre íamos ao cinema, seja o São Luís, o Diogo ou o Fortaleza. Às vezes víamos mais de um filme. Cinema era outro de nossos elos, e foi isso que nos levou anos depois a investir numa malfadada locadora de vídeo. A dívida que angariamos daí foi assumida pelo Alexandre e ele passou um tempão pagando sozinho com o dinheiro que juntava de seu trabalho.

Quando fui crescendo notei o quanto meu irmão perdera da própria infância em prol da necessidade de absorver mais responsabilidades conosco, comigo, com nossas irmãs e com minha mãe depois da separação dela com nosso pai. Era como se alguém tivesse dito pra ele que agora ele era o Homem da Casa e ele assumiu isso com toda a sua alma. Seu amadurecimento neste sentido era palpável como era palpável como ele não se deixava magoar. Raramente eu via meu irmão chorar. Essa dureza e distanciamento eu não tive e quando chegamos à adolescência eu pude contribuir um pouco com conselhos pro meu irmão mais velho. A relação dele com crianças é tão envolvente que acho que isso é parte de uma busca da infância mal aproveitada.

Quando se formou me chamou de lado e disse que deveríamos alugar um apartamento pra nós dois e assim fizemos. Eu ganhava dois salários mínimos, um eu entregava na mão dele, o outro eu usava pras passagens de ônibus pra faculdade, pra cervejinha e uma viagem ou outra. Quando o dinheiro apertou a gente chamou o Vladimir pra ocupar o quarto que tínhamos vago no apartamento. Um ano depois conheci Letícia e fui morar com ela.

Pela primeira vez na vida andei independente do meu irmão, meu primeiro pai substituto.

domingo, 8 de maio de 2011

MINHA PÃE E MEU(S) PAI(S)


Em homenagem ao dia das mães resolvi contar mais um pouquinho da minha história. A participação da minha mãe como pilar central de minha família é decisiva na formação de meu caráter e personalidade. Contar o que passamos é uma homenagem que faço à mãe inigualável que ela foi. Daí, vou falar também de todas as figuras paternas que tive com a distância do meu pai biológico. Como tudo isso dá um livro, vou escrever aos poucos, tentar colocar em ordem cronológica o resumo da epopéia que eu passei com ela e meus irmãos depois do divórcio dos meus pais.

01. Maturidade antecipada

Quando eu tinha 6 anos meus pais se separaram e eu nem notei.

No meu pequeno universo não percebi que aquilo ia acontecer e ninguém me disse que minha mãe tinha viajado pra Fortaleza definitivamente levando  ngela (9) e Mariana (2). Não sei dizer o dia exato, nem o mês, mas data aqui é o que menos importa.

Antes que achar que esta falta de lembranças específicas é um problema, eu tenho que dar os créditos aos meus pais. Suas brigas não me alcançaram. A transição foi tranqüila e natural. Mamãe veio de São Luis com as meninas no começo do ano e ficamos eu e Alexandre com o Papai até o meio do ano.

Foi uma época estranha. Outro dia mesmo me recordava das canjiquinhas que o papai fazia, das caixas tetra-pak da Parmalat que tinham uma promoção pra ganhar um macacão do Nelson Piquet na Brabham ou com fotos de crianças desaparecidas, do Toddy sabor banana (eu adorava aquilo!), do chiclete Ping-Pong no formato do cartão de futebol que vinha com ele, e por aí vai.

A vida confortável que nós tínhamos desapareceu por completo quando viemos morar em Fortaleza. Mamãe morava com os pais dela e as duas meninas. Eu e Alexandre alternávamos entre as casas de meu avós paternos e maternos. Só começamos a morar os cinco juntos, minha mãe e os quatro filhos, depois que eu adoeci de Hepatite.

Naquele momento eu estava morando na casa da Vovó Valderez, mãe de meu pai. A família inteira do lado dele cortara relações com minha mãe. As acusações eram muitas, todas advindas de um conjunto de preconceitos (as separações ainda eram mal vistas) e da cumplicidade da família com meu pai, o abandonado pela mulher. Não posso esconder que me doía ouvir os adultos falando dela ou de nós. Repetidas vezes disseram que eu e Mariana não éramos filhos de meu pai, mas frutos dos “amantes” da mamãe. Não guardo mágoas. Acreditando ou não que eu fosse da família, sempre me trataram como se fosse, e o amor que minha avó demonstra quando me vê anula tudo o que um dia eu a ouvi dizer.

Mamãe foi me buscar lá quando eu caí doente e me levou pra fazer os exames necessários. Confirmada a hepatite, nos mudamos somente eu e a mamãe para um apartamento de três quartos na Av. Aguanambi. A mobília podia ser resumida assim: uma cama em que eu dormia na suíte (mamãe dormia em uma rede ao meu lado); um estrado perto de meus pés, onde ficava uma TV 14” preto-e-branco; um frigobar e um fogão duas bocas na cozinha; e não me lembro de mais nada.

Foi nesta cama que comemorei os meus 8 anos de idade. Se não bastasse a hepatite ainda arranjei um baita de um tumor na coxa que passei anos conseguindo divisar a cicatriz; como eu passava o tempo todo deitado, isso era um complicador. Mamãe trouxe um bolo de chocolate com velinha acesa enquanto Vovô Jesus, Vovó Rosália,  ngela, Alexandre e Mariana cantavam os parabéns mantendo certa distância pra evitar o contágio. Ela escondeu o rosto quando começou a chorar e eu engoli o meu pra ela não notar o quanto eu estava triste. Naquele dia fiquei mais velho dez anos.

Meus aniversários eram sempre bem animados (com exceção do último antes da separação, que soprei a vela enterrada no arroz) e cheio de brinquedos legais. Desta vez, meus avós me deram um conjuntinho de linha ou lã (só sei que coçava o diabo!) com um calção marrom sem detalhes e uma camisa pólo do mesmo marrom com amarelo (tipo o Charlie Brown);  ngela trouxe um robozinho plástico amarelo de uns 10 cm que atirava pequenos mísseis das mãos quando apertávamos um botão nas suas costa; Alexandre me deu um carro de corrida também de plástico que encaixa em sua traseira um balão de aniversário, era só encher e soltar que o carrinho saía correndo; Mariana, um fusquinha desmontável de uns 5 cm; mamãe me deu uma resma de papel e uma caixa de lápis de cor que foram toda a minha diversão no mês que passei acamado. Lembro que não desenhava mais desde a vinda pra Fortaleza e voltei com toda força a partir daí. Acho que ganhei vários outros presentes, mas além destes, só me lembro dos dois exércitos plásticos (um verde, brasileiro, outro cáqui, vietnamita), como aqueles de Toy Story, que a Tia Taís me deu e que eu brincava em cima do gamão do Vovô.

Recuperei-me da doença na casa dos meus avós, numa cama centenária que a mamãe guarda até hoje. Minha alimentação básica era arroz-de-leite com carne picadinha. Ainda ganhei uma solitária de bônus(!) facilmente debelada com os remédios corretos.

Não lembro em que momento nós voltamos pro apartamento, com as outras crianças desta vez. Estudávamos de graça no Colégio Rachel de Queiroz. Os donos, o Tio Fleury e a Tia Maria, eram compadres dos meus pais, padrinhos da  ngela. O colégio era do outro lado da avenida onde moramos juntos aí até 1985, quando Alexandre foi morar em Manaus com o Tio Roberto; seis meses depois fui eu também. Nesta época, a mamãe precisou de ajuda pra nos sustentar. Mas esta é outra história, ou post!

domingo, 1 de maio de 2011

BRINCADEIRINHA DE SUSTO


06. Minha vez

Não posso precisar quando e onde eu comecei a gostar deste esporte. Há uma satisfação meio sádica em brincar de dar sustos. Claro que, quando se gosta de dar sustos como eu gosto, tem-se sempre que esperar o troco, que raramente vai ser anunciado. Muitas vezes ninguém precisa agir para que tu leves um susto.

Um caso clássico de levar um susto sozinho aconteceu com Letícia. Estávamos nos arrumando para o Reveillon no Gurguri, o sítio do meu pai, na serra que subimos por Redenção. Toda vez que vamos lá temos muito cuidado pra deixar as malas sempre fechadas enquanto não usamos pra não entrar nenhum inseto, gia ou coisa pior. O condicionamento é, portanto, natural, e foi ele quem fez Letícia mandar Marina me chamar correndo no quarto. Pai, a mamãe tá com um problemão! Ô diabos! Corri e, chegando lá, Letícia estava segurando a lateral das calças novas com tanta força e pavor que eu também me assustei. Tem um bicho aqui! Um bicho mordedor! Como é que eu ia saber o que era se ela teimava em não soltar? Baixei as calças dela enquanto ela segurava o Bicho Mordedor. Aí ela soltou e eu pude ver uma daquelas etiquetas magnéticas antirroubo costurada na parte interna das calças. Depois desta, toda etiqueta que incomoda nós dizemos que vamos cortar o Bicho Mordedor!

Um dia eu cheguei em casa com meu irmão no começo da noite e estava faltando luz na região. Morávamos numa casa assombrada na Vila Betânia. O leitor pode até pensar que eu estou brincando. Assombrada!? Tu não estavas lá, quem conhecia a casa tinha calafrios constantes, principalmente no quartinho dos fundos. Bom, se a casa era aterrorizadora até de dia, imagine na mais completa escuridão. Acendemos uma vela, armamos o tabuleiro de xadrez, que não dependia de energia pra gente se divertir e eu fui trocar de roupa. Não levei velas comigo. A luz bruxuleante que vinha da sala seria o suficiente. Tirei os sapatos e empurrei abrindo a porta do quarto com a mão pra tirar as calças. Elas iam nos joelhos e a porta começa a fechar quando eu tiro a mão. Hum. Empurro mais forte e solto quando começo a tirar o primeiro pé. A porta fecha com toda a força em cima de mim. Ahhhhhhhhh! Pulo num pé só pra fora do quarto e BLAM! A porta fecha num estrondo. Baxim! O que houve! Eu abro a porta que resiste um pouco e encontro o vulto da tábua de engomar de madeira no chão. Aí eu explico pra ele como a tábua, na hora que eu empurrei a porta, saiu de seu ponto de equilíbrio tendo empurrado também os seus pés, e uma tábua de engomar (destas antigas de madeira SUPERPESADA que guardamos dobradas em pé) me deu um dos maiores sustos que levei na minha vida. Aí foi a vez do Alexandre se acabar de rir de mim, e eu também.

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BRINCADEIRINHA DE SUSTO


05. Aracnofóbicos

Aracnofóbicos são um prato cheio. Hehe! E pra minha sorte, tenho dois amigos que sofrem deste mal, e o melhor, amigos o suficiente pra eu poder fazer das minhas repetidas vezes sem que eles me dêem uma porrada e nunca mais falem comigo.

O primeiro foi o Cláudio. Ele conta que tem uma vaga lembrança de, quando pequeno, acordar com uma caranguejeira andando calmamente no pescoço dele; ele imóvel, o pescoço ardendo, sem conseguir gritar nem fazer nada. Isso foi na casa dos pais dele no Bom Jardim, e foi pra lá que eu levei o K7 quando aluguei o recém chegado na locadoras, Arachnophobia. Se eu tenho pena? Éééééééé... um pouquinho, lá no cantinho à esquerda do ventrículo direito, pode ser. Eu senti mais-ou-menos quando eu construí uma aranha de Bombril; ou quando eu o convenci a assistir o filme totalmente à contragosto; quando eu notei os nós dedos deles brancos na mão mulata de tanto apertar o assento da cadeira; quando escorreu o suor frio pelo canto da testa... Preparação, paciência, e na hora que o Jeff Daniels entra num celeiro atrás do ninho, a aranha pula da minha mão no pescoço dele! O grito que se seguiu me matou de vergonha. Ele parou, olhou pra mim com os olhos semicerrados, e eu tive outra canseira pra convencer ele a ver o filme até o fim. Era o mínimo que eu podia fazer.

O Dráulio é um cába-macho pernambucano que perde a compostura quando se trata de aranhas. Não tem nenhuma historinha traumática pra contar e isso porque ele sozinho daria uma coluna de histórias pra contar. Havíamos montado um escritório juntos com meu pai. No dia anterior Marina havia ganho uma teia de nylon com diversas aranhazinhas de plástico que não enganariam um velho míope, mas conhecendo a figura rapidamente engendrei a pegadinha; peguei uma das pretinhas e um pouco de teia. Chegamos mais cedo, coloquei a bichinha debaixo do teclado do computador dele e a teia saindo de lado. Simples: ele vê a teia, puxa e vem a aranha. Não pude acreditar que na hora que ele chegou o papai estava vendo um vídeo no YouTube sobre um concurso de cassino onde ganhava uma ferrari quem comesse uma aranha-escorpião viva! Eu, Olhaí, Dráulio! Ele, Eu morria de fusquinha. Concordei. Ele sentou, ligou o PC  e começou a trabalhar. Mas que porra, vou ter de ajudar. Que mesa suja cara, limpa esse teclado aí. Ele levantou e soltou num estrondo e empurrou a cadeira de rodinhas batendo de costas na parede do outro lado da sala. Caímos todos na gargalhada, eu, Letícia e até o papai. Mesmo depois de ver a aranhazinha plástica ele ainda se assustava com ela por ali por cima da mesa.

Pura maldade? Nãaah! Tratamento psicológico intensivo. Se eles estão curados? Venhamos e convenhamos, eu sou um bom arquiteto.

BRINCADEIRINHA DE SUSTO



03. Seguindo os passos

Eu e meu irmão mais velho, o Alexandre, seguimos o mesmo rumo. Nossas vítimas preferidas eram obviamente a Ângela e a Mariana, nossas irmãs respectivamente mais velha e mais nova. Entre as manias que herdaram de minha mãe estão o nojo de cebola e pavor de baratas. Não escapei muito do primeiro nem do segundo.

Uma vez, mexendo na mochila da Mariana, uma barata saiu de lá, subiu pelo meu braço e entrou na manga da minha camisa. Corri aos pulos pelo corredor da casa da Vovó Rosália tirando a camisa de botões pela cabeça diante de uma plateia superdivertida. Ok, deixe estar.

Entrou uma barata na sala da vovó. Nesta época morávamos todos lá. Eu, minha mãe, minha avó, Tio Léo e meus três irmãos. Rapidamente a pestinha sumiu. Alexandre me chama no canto. Pegamos uma borracha daquelas antigas de duas cores, azul de um lado e vermelha do outro, amarramos uma linha de costura preta da minha vó e fomos lentamente pra trás do sofá no meio da sala onde estavam as duas meninas assistindo à novela. Alexandre “voou” a borracha diante de seus olhos enquanto eu gritei Olha a barata voadora! Gritos e escândalos rápidos e eficientes. Estávamos só engatinhando.

04. Sem querer

O Yuri vai ter de me perdoar mas vou ter de contar o que deve ter sido o susto mais efetivo sem querer que já dei em alguém na vida.

Morei bastante tempo na casa da D. Valderez, minha avó paterna, no centro da cidade. Morava também com ela minha Tia Rita Helena e meu primo Yuri, com uns dez anos de idade na época. Nesta noite dormiu lá em casa, no meu quarto, que era o de hóspedes, a Tia Auri, uma velha que devia ter uns cento e cinquenta anos e roncava com um trator de cento e cinquenta anos. O Yuri, que era bem rechonchudinho, arranjou um par de pedaços de antenas de alumínio e resolveu usar de baquetas. Ele batucava em tudo. Eu fui deitar cedo que tinha aula no primeiro horário da faculdade no dia seguinte. A Tia Auri ROOOONC! O Yuri BATE-BATUQUE-BATE-BATUCA! E eu nada de dormir, puto! Aí eu ouço Terezinha, vamos comigo ao banheiro? Como toda criança mimada que tem medo de escuro, o menino pedia pra Secretária o acompanhar ao banheiro e ficar do lado de fora da porta, que era vizinha da porta do meu quarto, que ficava nos pés da cama onde eu estava deitado. Até aí não havia nenhum problema. Só que o fi-da-minha-tia resolveu batucar todas as portas do corredor até chegar no banheiro, uma artimanha pra espantar o medo, penso. PROTOPOC na primeira porta. Yuri, tem gente dormindo! E a Terezinha foi devidamente ignorada. PROTOPOC na segunda porta. Eu sentei na beira da cama e segurei o trinco e abri abruptamente a porta e botei só minha cara pra fora e “gritei” baixo e grosso, Pára com isso seu pôrra! E fechei a porta. Foi tudo muito rápido. Não tinha intenção de lhe assustar mas de apenas parar com o barulho. O Yuri estava com as duas mãos erguidas pronto pra batucar na porta do meu quarto quando eu o interrompi. Ele se encolheu com um grunhido UNNHH... já começando a chorar e se mijar ali mesmo nas calças. A Terezinha, se mijando também num misto de choro e riso, Não tem graça não, Fabiano! Não consegui reprimir o riso enquanto eu tentava novamente dormir. Não houve um único batuque sequer o resto da noite.

BRINCADEIRINHA DE SUSTO


02. Coisa de família

Vovô Jesus já fazia das dele. Cansei de tirar as bolinhas de alumínio das embalagens de Magnésia Bisurada de dentro da camisa ou das calças que o pai da minha mãe colocava furtivamente. Outra clássica era fazer um rolinho com supracitado aluminiozinho e riscar o pé da gente quando a gente já está deitado na rede. Ainda vejo o sorriso dele com os olhinhos apertados no rosto do Tio Roberto, outro legítimo descendente de assustadores de ocasião.

Mamãe conta uma que ele aprontou, com a conivência dela, claro. Nesta época morávamos em São Luís numa casa projetada pelo meu pai. Uma casa relativamente grande, principalmente pra alguém que como eu tinha por volta de um metro de altura. Ela tinha três níveis: no inferior, nível do quintal, garagem acessada por rampa da rua até o lado da sala de jantar, cozinha e serviço; jardins, acesso de pedestre, sala de estar e lavabo no nível da rua; e quartos e banheiros no nível superior. Quando a noite caía, nos reuníamos todos na sala de jantar onde ficava a TV. Papai chegava do trabalho e nos escondíamos pra não ir buscar seus chinelos no seu quarto, o último do corredor, duas escadas depois, morrendo de medo do escuro que reinava no resto da casa deserta. Esse medo contagiou a “póbi” da secretária que vou chamar aqui de Toinha (não me lembro o nome dela). Na noite fatídica, o Tio Roberto, então com pouco mais de vinte anos, planejou a peça. Toinha, me arranja um copo d’água gelada e depois pega lá em cima os meus chinelos. Prestativa, ela foi cumprir a primeira tarefa. Tio Roberto sobe ao quarto de minha mãe, coloca o chapéu de Bumba-meu-Boi de minha irmã, que era adornado por um espelho no meio da testa e umas fitas barulhentas caindo dos dois lados. E lá ele fica nas sombras esperando a Toinha que vem devagarzinho e olhando torto pros lados. Toiiiiinhaaaaa! Sacode a cabeça, as fitas chacoalhando, o espelho brilhando no escuro. A moça pára olhando pra ele. E lá fica. Estática. Muda. Pálida. Não dá um pio. Toinha, sou eu, o Roberto! nervoso com o estado dela. Nada. Marúsia, acode que a mulher surtou! Água com açúcar, senta a moça, tapinha no rosto e tudo bem. No dia seguinte ela pediu pra ir-se embora. O susto saiu pela culatra.

BRINCADEIRINHA DE SUSTO


BUUUU!

Minha filha adora fazer Buuuu! Ela adora dar sustos. Culpa minha. É um mal de família. Tá no sangue.

Este post é um conjunto de situações de pregar sustos em que eu e minha família participamos, ativa ou passivamente. Sei que entramos aí num limiar entre o certo e o errado mas concordo com quem disser que a questão é de gosto no mínimo duvidoso. Uma coisa também é certa: é divertido, ora bolas! Talvez nem tanto pra quem leva o susto, mas com bom humor e com cuidado, pode-se divertir também os assustados.

01. A Possuída

Dona Marúsia, minha inspiradora mãe, me conta com orgulho os sustos que pregou no passado. Um dos mais memoráveis ela executou dentro de um cinema em São Luís. Não tinha ambiente mais propício: O Exorcista! Naquela época não havia filme mais comentado e o tema rende grandes bilheterias até hoje: a possessão demoníaca. O fato é que ela entrou no cinema para ver o filme pela segunda vez. Não vou discutir o que leva alguém a ver um filme destes duas vezes no cinema. Mas como eu disse, era um blockbuster e virou até referência; e o cinema era superbarato, também. Ela entrou e começou a procurar o lugar quando avistou a vítima: uma amiga já sentadinha de pipoquinha na mão; malevolamente sentou-se imediatamente atrás da coitada, o plano já em curso antes mesmo de decidido. Pacientemente esperou o filme começar, a amiga se envolver pelo clima, levar uns sustos por conta própria e lá estava a oportunidade: ia passar uma cena destas que o diretor joga a possuída na cara da platéia e o cara dos efeitos sonoros bate os dez dedos ao mesmo tempo no teclado do piano com o volume no máximo! Você já colava no teto se estivesse vendo A Casa dos Espíritos ou Um Convidado Bem Trapalhão! Mamãe viu a cena começar, abaixou-se, esperou a deixa e, no exato momento, agarrou o tornozelo da cidadã! AHHHHHHHUAHHHHH! Acho que até o homem do projetor teve uma parada cardíaca. Ligaram as luzes, veio o servente, o lanterninha, o cabôco do tabuleiro de bombom e cigarro, pra ver uma mulher em pé na poltrona completamente apavorada e soluçante olhando estupefata pra minha mãe também soluçante, de tanto rir, revirando na poltrona da fila anterior. No que deu? Minha mãe não contou esta parte da história. Nem sei se a muié já voltou a falar com ela, mas quem é amigo(a) da minha mãe sabe que pode esperar por estas.

Outra. Mais levinha. Ela e uma amiga sozinhas no apartamento que morávamos na Av. Aguanambi (no mesmo bloco onde mora o Dráulio hoje; já-já eu conto a dele). Era já de noitinha, aquele papo gostoso entre amigas que vara a madrugada, conversa vai, conversa vem, rola aquelas histórias arrepiantes de alma. Mamãe tem um repertório destes que ocupa três noites e só pára pra beber água. A narrativa é envolvente. A entonação, os detalhes, a vítima Ai, Marúsia! Eu fico toda arrepiada só de pensar! Num gosto destas histórias, não! Pronto. Como todo bom susto, há uma preparação e este estava plenamente preparado. Vão dormir. Mamãe levanta pé-ante-pé, vai no quarto onde fica o três-em-um, coloca meu primeiro LP, Thriller do Michael Jackson, quase sem volume na música de mesmo nome e, lá no fim, na hora que Vincent Price vai dar aquela risada diabólica, ela aumenta até o último tom. Rárárárárárárá, Rárárarárá, Rá-rá-rá, rá-rá, rá. A mulher saiu correndo do quarto em que estava nos primeiros momentos do sono completamente ensandecido, gritando pela minha mãe até achar ela vermelha de rir no escuro do quarto de som. Essa é minha mãe.