04. Roberto
Numa bela noite de formatura a long, long time ago... Após a entrega dos diplomas (aí nem lembro se a formatura era minha ou do Alexandre), tirávamos algumas fotos no canto entre a Concha Acústica e o prédio da Reitoria da UFC, quando o Tio Roberto reconheceu um colega de longa data na sessão fotográfica ao lado. Fulano! Quanto tempo! A formatura é do meu filho! Essa aqui é a Marúsia, minha irmã, mãe dele! A confusão só durou alguns segundos até que ele explicasse que nos tinha como filhos, eu e Alexandre.
O momento podia passar esquecido no tempo se não ilustrasse algumas características inerentes ao meu tio: a primeira é a memória; reconhece pessoas que há muito não vê e lembra-se de detalhes e datas com precisão; a segunda é que, mesmo sendo muito sério, ele adora gerar este tipo de confusão; pegadinhas (vide Brincadeirinha de susto), piadas sutis (ou nem tanto), gozações etc., sempre foram parte de sua personalidade; a terceira, e mais importante neste contexto, é como ele assumiu pública e intimamente nossa paternidade, minha e do Alexandre, desde que fomos morar em Manaus com ele.
O Alexandre, além de ter nascido primeiro, ganhou seu apadrinhamento católico. Eu vim depois, de carona, e conquistei meu espaço especial no seu coração. Longe de ter ciúmes do padrinho de meu irmão, só me ficava a gratidão daquela dedicação com a gente, da igualdade de tratamento entre nós e seu filho Rogério, único primo da minha idade.
A impossibilidade dele de gerar filhos o fez ter vários filhos assumidos: Rogério e Camila adotados durante seu primeiro casamento, com a Tia Fafá; Daniel e Dana, filhos da Tia Cristina, com quem se casou pela segunda vez; eu e Alexandre de casamento nenhum! Fora aqueles inumeráveis que ele ajuda como se fosse um padrinho.
Rigoroso em nossa criação, ele nos cobrava sempre algo mais, como no dia em que apresentei orgulhoso um boletim coberto de notas 10 e ele quis saber a razão daquela solitária nota 9! Se não fossem os seus olhos que sorriam sozinhos, eu poderia até ficar chateado.
Nesta época morávamos com ele em Manaus. Fomos por necessidade, uma vez que minha mãe tinha dificuldades em sustentar sozinha nossa família de “pãe” e quatro filhos, mas curti como a mais longa férias de minha vida, como tivesse ganhado uma oportunidade incrível de um lar completo como só vim ter anos depois, como se eu tivesse mais um irmão, o Rogério, mais uma mãe supercarinhosa, a Tia Fafá, e mais um pai como poucos.
Tenho saudades do dia do churrasco, do dia da feijoada, dos passeios, dos cafunés...
Mesmo quando voltamos pra Fortaleza, a saudade de nossa mãe e nossas irmãs quase espocando o peito (a trilha sonora era encabeçada por Elba Ramalho cantado De Volta pro Aconchego), ele nunca deixou de olhar por nós.
Fomos crescendo e o respeito dele com a gente, com os profissionais que nos formamos, como irmãos maçons que nos tornamos, com a família que nós formamos, cresceu em mesmo nível. O amor dele com nossos filhos é denotado no tratamento de Vovô Beto. Nada mais justo. Se meu irmão sempre foi a mais presente figura paterna, Tio Roberto foi o pai de maior referência na minha vida.
Quando me formei, curiosamente (ou não) na mesma profissão que meu pai (o biológico), foi ao meu tio que dei uma cópia de meu Projeto de Graduação. Nesta edição única, fiz uma dedicatória que não acho mais cópia alguma pra publicar, mas lá eu escrevi uma coisa que resume tudo o que eu sinto por ele: que me perdoasse se a palavra Tio não revelasse tanto amor quanto a palavra Pai.
Em duas ocasiões preparei meu coração para perder meu tio. Uma vez há dez anos quando teve câncer nos pulmões e outra vez neste ano, quando reincidiu no cérebro. Na mesma medida foi a alegria pela cura nas duas ocasiões, não sem antes sofrer ao o ver fraquinho, careca e debilitado pelo tratamento.
Fica mais tempo, Tio. Ainda precisamos do senhor pertinho, dos seus olhos que sorriem apertadinhos que nem os do Vovô Jesus, do seu beijo carinhoso na testa que me faz sentir aquele mesmo menino distraído que foi morar com o senhor em Manaus.
Fica mais tempo, Tio. Fica o suficiente pra minha filha curtir melhor o Vovô Beto, ou os filhos dela curtiram o Bivô Beto, ou até eu ficar carequinha que nem o senhor, e me dar beijos na minha testa lisinha, ou até, sei lá...
Só fica mais tempo.