quarta-feira, 15 de abril de 2020

Sonho nos tempos do Covid-19


Sonho na madrugada de 14.04.2020

Ontem tive um sonho repleto de pessoas queridas que já se foram.

Estava em um café-livraria e pedi um expresso grande, como sempre peço; a atendente me serviu um pequeno, como sempre faz, e eu acusei o erro. Ela quis me servir dois pequenos e eu neguei. Neste momento, o Tio Roberto (†) fala ao meu lado que poderíamos ter dividido os dois pequenos. Sorri e disse que nem havia pensado nisso; na verdade nem o havia notado ao meu lado.

Então, entra uma comitiva da família Silveira, com todos os tios e tias, Tia Cleidinha mais perto de mim, Dadate, Tia Vânia, noto o Tio Jeovani (†) que me vê e sorri, Rita Helena trazendo D. Valda (†) pelo braço naquele passinho arrastado.

Vou ao seu encontro quando vejo o Vovô Jesus (†) ao meu lado! Me jogo em seu pescoço enquanto emocionado chamo Vovô, Vovô, sinto seu cheiro, um cheiro que nem lembrava saber, e a aspereza de sua barba de fim da tarde. Ele aturdido não me reconhece e não me devolveu o abraço de pronto, então, como se dando conta, diz Meu filho e fecha seus braços em torno de mim!

E eu acordo entre um soluço e outro.

No primeiro momento, a leveza e emoção que ficam impressas pelo sonho me levam a crer que recebi uma mensagem, de que velam por mim, que tudo ficará bem.

Já uma análise mais racional, um dia depois do sonho, creio que a verdade seja menos espiritual e mais crua: este sonho fala mais do meu sentimento de desamparo, da falta que fazem estas figuras na minha vida, de todas elas, cada uma em um momento, todas durante o tempo todo.

Espero que estejam por aqui.



Papai


Terça-feira, 29 de março de 2016. – Publicado originalmente no Facebook

Como em todo aniversário, fico meio macambúzio. Nessas horas gosto de escrever. Para os que tem mais coragem de ler, uma minicrônica de aniversário.

Felicitações transcurso natalício, Papai

Aqui pensando sobre o que as pessoas dizem no seu aniversário, que mensagens lhes passam, os clichês, as frases feitas, as felicidades, saúdes, sucessos etc., noto que sou péssimo disso. Não apenas das mensagens de aniversário genéricas (essa palavra veio pra ficar), mas de qualquer tipo, natalinas, vestibulinas, pascoalinas (essas eu inventei), enfim, só sai algo original quando eu tiro onda do indivíduo.

Aí me lembrei do meu pai e do seu indefectível telegrama:

– Felicitações transcurso natalício, Papai.

Numa era pré-internet, pós-separação, esta mensagem foi um presente doloroso enviado de São Luís em cada aniversário meu e de meus irmãos. Se totalmente obscura nos meus sete anos recém completos, para a mais nova de três anos... não consigo imaginar mensagem mais impessoal. Como mandar um telegrama deste para crianças? Depois de duas vezes, podiam vir sem assinatura e poupar algumas letras (para os mais novos, telegramas eram cobrados por caracteres).

Como bons cearenses, da dor fizemos piada e o telegrama virou chacota. Às vezes ainda usamos desta expressão nos nossos aniversários.

Tive que crescer e reencontrar meu pai, me interessar em conhecer aquele estranho que via uma ou duas vezes ao ano (ou nem isso), de tentar fazê-lo conhecer a mim, de ver o homem que me tornei distante dele, para que eu entendesse que este telegrama era ele, a forma, o texto, o pragmatismo, a postura, a retidão, a distância... tudo era o meu pai.

Hoje, no meu primeiro aniversário sem a menor possibilidade de receber este telegrama outra vez, sinto falta, não da mensagem, mas da assinatura.

E como bom filho, da piada faço dor.

–  Felicitações Transcurso Natalício

~*~

Fúcsia!


– Ahhhhhdalbertoooooo!  O grito transformado em meu nome ecoa em todos os cômodos do apartamento.

– Que foi meu amor? Chego esbaforido mais do susto que da carreira de cinco passos. Uma aranha? Uma barata?

– Não! Aqui, ó! Diz ela com uma cara de choro apontando pra própria região púbica.

– Se tacou na quina da pia? Se cortou? Continuo tentando descobrir a razão do grito, feliz por não ser nem a aranha nem a barata.

– Um pêlo! As lágrimas já surgindo.

– Bom! Geralmente eles nascem nesta região na época da adolescência...

– Não! Um branquinho, aqui, ó!

– Ahn, sei! Esta é outra coisa que aparece com o tempo. Contemporizo. Destes eu ainda não tive, mas veja, minha cabeça já tá grisalha e você tem alguns cabelos brancos nas têmporas.

– Tenho sim, mas são poucos e eu arranco!

– Pois arranque. Mulheres fazem isso com naturalidade! Eu mesmo acho uma tortura incomparável! Parece até com uma tirinha antiga do Angeli, a Rêbordosa pendurada de pernas abertas e alguém arrancando seus pentelhinhos com pinça um por um.

– Não é isso! É que é só o começo! Depois desse vão aparecer vários!

– Meu amor, ligue não. A Minha barba tá ficando branquinha e já achei até uns branquinhos até nas minhas narinas.

– Mas você é homem! Homem não liga pra isso! Mulheres sempre pintam os cabelos quando eles começam a esbranquiçar!

– Pronto! Pois pinte!

– Pintar?

– Sim! De fúcsia! Eu nunca vi um pipiu fúcsia!

– Você tá me gozando!

– Não, sério! Aí eu tiro uma foto e coloco na internet com uma chamada assim: o Pipiu Fúcsia! Milhões de acessos! Vendo uns banners, ficamos ricos!

– Sai daquiiiii!

~*~